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O Espetáculo do frio e a invisibilidade da vulnerabilidade

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A cada anúncio de frente fria no Brasil, um fenômeno sociológico se repete com precisão quase científica: a transformação de um evento climático potencialmente letal em entretenimento de massa. Redes sociais se enchem de expectativas quase febris pela possibilidade de neve, enquanto uma parcela significativa da população se prepara para enfrentar mais uma batalha pela sobrevivência.

Esta disparidade de reações expõe uma fratura social profunda. Para a classe média e alta, munidas de aquecedores, casacos importados e residências adequadamente isoladas, o frio extremo representa uma novidade quase exótica. Há quem organize “festas de inverno”, viagem para a serra em busca dos “pinguins” e chegue ao ponto de torcer abertamente por temperaturas ainda mais baixas, como se estivessem assistindo a um filme da Disney sobre países nórdicos.

A romantização do frio também ignora sistematicamente a população idosa em condições precárias, famílias em habitações inadequadas e os milhões de animais abandonados que não possuem proteção alguma contra as intempéries. Enquanto alguns fotografam a própria respiração condensada como curiosidade Instagram, outros literalmente lutam para continuar respirando.

A mesma classe social que se emociona com a possibilidade de alguns flocos de neve raramente se mobiliza com a mesma intensidade para criar redes de apoio emergencial durante ondas de frio.

Este contraste expõe não apenas nossa desigualdade material, mas também nossa desigualdade empática. A capacidade de enxergar fenômenos climáticos extremos como entretenimento é um privilégio que poucos no mundo podem se dar ao luxo de ter.

O termômetro não mente: quando marca temperaturas baixas para alguns, marca risco de morte para outros. A diferença está apenas em qual lado da desigualdade cada um se encontra.

Por Marcelo Santos